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Crianças ou Jogadores?

A corrida dos clubes para encontrar atletas cada vez mais jovens.

(Foto: 123RF)


Em março, Ângelo Gabriel se destacou numa partida do sub-17 do Santos contra o Internacional. O bom desempenho do garoto fez com que o clube planejasse, na retomada após a pandemia, sua integração à equipe sub-20, com participações esporádicas no sub-23. Essa ascensão, que já seria meteórica, tornou-se ainda mais impressionante quando o atacante entrou em campo com os profissionais, no Maracanã, na derrota por 3 a 1 para o Fluminense pelo Campeonato Brasileiro.

Assim, aos 15 anos, dez meses e quatro dias, o atacante se tornou o jogador mais jovem a estrear na era dos pontos corridos, que começou em 2003. Ele superou Miguel, do Fluminense, que já havia feito 16 quando atuou pela primeira vez na competição, no ano passado.

O menino da Vila é o exemplo mais radical de uma precocidade que se tornou recorrente no futebol. Neste mesmo Brasileirão, outros dois clubes bateram seus recordes de juventude: o Atlético-MG debutou o atacante Sávio com 16 anos e cinco meses, e o Botafogo lançou Matheus Nascimento, da mesma posição e um mês mais velho.

A atual safra transformou em recorrente algo que, em 2003, tinha ares de aberração. Naquela temporada, Jô assustou ao estrear pelo Corinthians com 16 anos e três meses. Esse recorde se manteve justamente até o surgimento de Miguel.

— A maioria desses jogadores são da geração 2004, que é absurdamente capacitada no país. Talvez uma das melhores que o Brasil teve nas últimas décadas e que vai gerar muitos jogadores de qualidade. É uma safra. Acontece normalmente de tempos em tempos — afirma Junior Chávare, diretor da base do Atlético-MG.

O dirigente reconhece que, paralelamente ao talento desta geração, há um movimento do mercado de antecipar a revelação de talentos. O motivo é financeiro, e o que difere um clube do outro são a frequência e a quantidade de jovens utilizados. Os mais frágeis financeiramente recorrem a mais garotos. E torcem para que algum deles se converta em uma venda lucrativa o mais rápido possível.


— É uma tendência que veio para ficar. O que a gente não sabe é se o volume (de talentos) vai ser significativo a cada geração — complementa Chávare. — Mas tenho a convicção de que os clubes estão convencidos de que o custo-benefício da base é que irá mantê-los vivos.


A pandemia atuou como um acelerador do processo. Com jogos de três em três dias e atletas tendo que ser afastados à medida em que testam positivo para Covid-19, os jovens do sub-17 e do sub-20 viraram a alternativa para que os elencos deem conta da maratona. Ao mesmo tempo em que ganham a sonhada oportunidade, essas promessas ficam sujeitas a pagar o preço de pular etapas. A perda pode ser técnica, física e principalmente, psicológica.


— Há uma formação técnica. E, com 15 ou 16 anos, (o jogador) já recebeu bastante conteúdo na parte tática. Na parte física, depende muito da maturação do menino. Mas eles têm má formação no aspecto psicológico. Existe uma chance maior de queimar esse talento do que de desenvolve–lo — opina Carlos Brazil, gerente da base do Vasco.

Maíra Ruas já não se surpreende quando vê um atleta de 18 anos ou menos cair de rendimento após um brilho inicial. Para a psicóloga do Vasco, é preciso um trabalho para ajudar esses garotos a lidar com períodos de dificuldade e oscilações. — Quando o momento do time é positivo, o atleta tende a ir melhor. Quando não, ele tende a sentir mais as pressões externas e ter dificuldade de se manter no nível de expectativa que o clube e os torcedores colocaram sobre ele — afirma. — Ao pular o sub-17, o sub-20 o atleta deixa de experimentar situações pelas quais os mais velhos já passaram. Não aprende como lidar com fases ruins e fases boas.

Movimento global

O aumento da precocidade na utilização de jogadores não é exclusivo do Brasil. Em uma rodada, a Liga dos Campeões da Europa colocou 472 jogadores em campo. Destes, 27% tinham até 23 anos e 9% tinham até 20 anos. Especialistas em mercado enxergam uma corrida cada vez maior por novos talentos.

— Há trabalhos de base cada vez mais desenvolvidos. E, especialmente nos clubes logo abaixo do topo da pirâmide, um desejo de vender jogadores — explica o empresário Eduardo Uram. — Os clubes compradores estão monitorando os atletas muito mais cedo do que monitoravam. O trabalho de scouting cresceu muito nos últimos anos. E a própria legislação (mudou). Os atletas se tornaram profissionais mais jovens — analisa Jorge Andrade, gerente de futebol do Santos, clube referência no país na transição dos talentos. — O ambiente se tornou mais competitivo, o que envolve o clube, os agentes, as famílias, etc.

Há situações peculiares, como o Barcelona. Os catalães são o exemplo de um clube de elite que vive uma transição após tentar rejuvenescer sua equipe. Na vitória sobre a Juventus, utilizou Pedri, de 17 anos, como titular. E no segundo tempo lançou outro jogador de 17 anos, Ansu Fati, considerado uma das grandes promessas da Europa.

Para analistas, os jogadores das últimas gerações têm revelado uma maturidade mais precoce. Mas a ausência de público nos estádios durante a pandemia é vista, também, como um terreno propício ao lançamento de adolescentes em torneios de elite.


(Fonte: O GLOBO - Esportes)

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